quinta-feira, 17 de junho de 2010

A Supremacia Do ser

Andava a passos moderados na rua vazia, que de tão vazia, nem barulho de vento ou, sequer, de brisa se ouvia. Passos que não eram nem rápidos, nem vagarosos. Trazia as duas mãos profundamente enterradas nos bolsos do casaco cinza, um cinza chumbo, macambúzio, triste, mas que tinha, exatamente, a mesma tonalidade do cinza do céu ao cair da noite de mais um dia frio daquele Mês de Junho. Tinha em cada ouvido um fone que tocava no último volume "Desculpe ,estou um pouco atrasado.Mas espero que ainda dê tempo de dizer que andei errado e eu entendo as suas queixas tão justificáveis e a falta que eu fiz nessa semana.Coisas que pareceriam óbvias até pra uma criança. "
O volume do seu fone era tão alto que ele nem podia ouvir o som dos seus próprios passos a resvalar nas pequenas poças de águas formadas após um longo dia de chuva. Ele nem, ao menos, tentava desviar delas. Talvez por não tê-las visto ou por não se importar em passar por elas , já que olhava com seus olhos azuis de um opaco acinzentado, os quais pareciam refletir a cor chúmbea do firmamento apenas para frente como se nessa posição estivesse vendo algo capaz de lhe dar rumo no invisível daquela atmosfera fria. Apesar de a música tocar tão alto em seus ouvidos, vendo os seus olhos, sua expressão, parecia nada ouvir, como se tivesse anestesiado, absorto em si mesmo, preso nas profundezas do seu próprio ser. Um ser que, por vezes, até ele mesmo recriminava. Talvez, por isso, estivesse tão preso, aprisionado em si mesmo pelos grilhões de ferro do seu próprio eu, um eu que parecia maior do que ele, como se fosse um ente autônomo, particular, absoluto e não parte dele. Tudo isso o fazia se sentir pesado, de ferro; de modo que até andar naquela velocidade em que andava parecia-lhe por demais custoso. Ainda era-lhe possível caminhar moderadamente porque sua cabeça não pensava em nada. Estava sem idéia, oca tal como ele e era-lhe melhor assim, pois, ao menos, tinha a cabeça fresca. Porém toda a sua compleição estava tesa, hirta como se estivesse a matutar sobre o pior do seus pesadelos.
De repente, como se tivesse acordado de todo aquele torpor que lhe produzira extrema rigidez em sua compleição, conseguiu ouvir e prestar atenção no trecho da melodia que há alguns segundos tocava em seus ouvidos: "Amor eu sinto a sua falta. A falta é a morte da esperança como um dia que roubaram o seu carro deixou uma lembrança que a vida é mesmo coisa muito frágil, uma bobagem, uma irrelevância diante da eternidade do amor de quem se ama"Nesse instante, veio flutuando tal como uma folha de papel ao sabor do vento a imagem da sua ex mulher até pousar no centro de suas lembranças e recordar-se dela de forma tão inesperada fez emurchercer, comprimir todo o seu semblante, como se uma aguda dor estivesse a pulsar do seu âmago.
Esse texto continua
continua
 
↑Top